Esse ano, no colégio em que trabalho, recebemos diversos alunos com especificidades alimentares, mais do que em anos anteriores. Esse fato é preocupante não só no aspecto da saúde física, mas também no psicológico e social, visto que cada vez mais as pessoas têm desenvolvido algum tipo de sensibilidade alimentar que as impede, de alguma forma, a levar uma vida normal.
Os casos de crianças com alergia ao glúten e até mesmo diagnosticadas com doença celíaca foram os que mais chamaram atenção e geraram dúvidas na equipe a respeito de como fazer para produzir alimentos glúten free em uma cozinha pequena, onde são manipulados diversos ingredientes, sem que ocorra contaminação cruzada.
Comecemos entendendo o que é o glúten: Proteína insolúvel em água, presente no trigo, cevada, centeio e aveia e que apresenta duas frações polipeptídicas: prolamina, a porção tóxica para os portadores de doença celíaca, e glutenina.
De acordo com o cereal de origem, a prolamina recebe diferentes nomes: No trigo, é a gliadina; na aveia, avenina; no centeio, secalina; e na cevada, hordeína.
A aveia é um produto originalmente sem glúten, porém a forma de cultivo pode influenciar em sua contaminação contaminação, por isso é importante saber a procedência do produto e se atentar às informações contidas no rótulo para conseguir consumir com segurança. Os cuidados para a produção de alimentos sem glúten devem ser iniciadas desde o cultivo da matéria-prima. Outros grãos naturalmente isentos de glúten podem ser contaminados devido ao rodízio de culturas, em que durante um período é realizado o cultivo de cereais com glúten (como o trigo) e em outro momento é realizado o cultivo de um cereal isento de glúten. A presença das sementes de cereais com glúten na terra de cultivo leva à contaminação. Além disso, a proximidade dos grãos com e sem glúten nas lavouras e o uso compartilhado de equipamentos de colheita, transporte, processamento e armazenamento podem ser veículos de contaminação por glúten.
A doença celíaca é um distúrbio desencadeado pela ingestão de glúten presente no trigo e por prolaminas presentes na cevada e no centeio, acomete o intestino delgado proximal de indivíduos geneticamente predispostos, tendo como característica a atrofia total ou subtotal da mucosa do intestino, ou seja, as microvilosidades do intestino, que são áreas que aumentam a superfície de contato dos nutrientes com o intestino e facilitam a absorção destes e que na presença da patologia vão deixando de existir. É como se a parede intestinal ficasse reta ou inchada. Assim, tem-se como resultado a deficiência na absorção de ferro, ácido fólico, cálcio e vitaminas lipossolúveis.
Manifestações clínicas variáveis como diarreia, distensão, dor abdominal, vômitos, constipação e flatulência, redução da velocidade de crescimento em crianças, perda de peso, fadiga, depressão, anemia, neuropatia periférica, epilepsia e ataxia, deficiência de vitaminas D e K, osteopenia/osteoporose, infertilidade e abortos recorrentes, hipoplasia de esmalte dentário, artrite e estomatite aftosa. A doença celíaca também é gatilho para o desenvolvimento de câncer. Alguns indivíduos são denominados como assintomáticos, porque não apresentam sinais característicos da doença, e nesse caso a detecção da patologia acaba sendo tardia e pode causar comprometimentos maiores à saúde.
O tratamento da condição se dá através da exclusão completa de alimentos com glúten durante toda a vida. Embora possa parecer simples, a remoção de glúten da alimentação é uma tarefa difícil, pois o trigo e demais cereais que contêm glúten são consumidos em todo o mundo e os resíduos de glúten podem ficar no ar por até 24 horas, por isso a preocupação com a higiene do ambiente e utensílios em que serão feitas preparações isentas de glúten e principalmente com o grau de conhecimento dos manipuladores de alimentos a cerca da doença.
Não há ainda uma resolução específica no Brasil para a produção segura de alimentos isentos de glúten, como já idealizado e concretizado para a questão da segurança higiênico-sanitária. Os serviços de alimentação podem então não apresentar todas as condições necessárias para assegurar que o produto final estará livre de contaminação
Um estudo realizado no Estado de Brasília pesquisou 25 panificadoras que comercializam produtos isentos de glúten (rotulados ou não), encontrando como resultado que 25,5% desses produtos apresentaram um percentual maior que 20ppm, sendo impróprios para o consumo dos celíacos.
Dos 25 estabelecimentos visitados, apenas 9 não apresentaram nenhum produto contaminado nas análises. Apesar de não ser ideal que preparações ditas como "insentas" de glúten apresentem resquícios desta proteína, conforme dados expostos acima, a maior porcentagem das amostras verificadas no estudo foi avaliada positivamente, mostrando que, se o ambiente (onde são manipuladas diversas farinhas com glúten), é devidamente higienizado e são tomados os cuidados na manipulação é possível que o produto não seja contaminado.
Em outros estudos, inclusive focados em escolares portadores de doença celíaca, em nenhum momento é descartada a possibilidade de produzir alimentos sem glúten na mesma cozinha em que são produzidas refeições para o restante do público (com glúten), desde que se tomem os devidos cuidados.
A respeito da utilização de forno e micro-ondas para preparo de alimentos sem glúten, a recomendação é que o recipiente contendo a preparação esteja tampado, assim não é possível que as partículas de glúten penetrem no alimento.
Lembrando que a dieta isenta de glúten pode incluir alimentos provenientes do arroz, batata,
mandioca, soja, milho, trigo sarraceno, amaranto, quinoa, farinha de banana verde, entre
outros. É difícil, porém completamente possível oferecer opções nutritivas e saborosas aos portadores de doença celíaca.
A Federação Nacional das Associações de Celíacos no Brasil traz um guia alimentar para celíacos, com conceitos, receitas e outras orientações importantes para todos que precisam conhecer os mecanismos e estratégias relacionados à exclusão do glúten da dieta.
REFERÊNCIAS
Avaliação de contaminação por glúten em alimentos isentos de glúten
comercializados em panificadoras. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/16161/1/2014_PriscilaFarageGouveia.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2023.
Guia Alimentar e Nutricional para Celíacos. Disponível em: <https://www.fenacelbra.com.br/>. Acesso em: 21 fev. 2023.
Percepção dos responsáveis por escolares com doença celíaca sobre a alimentação oferecida no âmbito do programa nacional de alimentação escolar. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/9732>. Acesso em: 22 fev. 2023.
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